Negrinha - Monteiro Lobato


Na nossa primeira postagem vamos falar de um conto muito clássico de Monteiro Lobato... Negrinha. Essa obra foi publicada em 1920 no  livro “Negrinha”, tendo seu conteúdo integral de contos. No conto, Monteiro Lobato nos introduz na dura e árdua realidade da menina.

Alerta de Spoiler: negrinha morre no final do conto!

Negrinha era filha de uma escrava, e depois que ela morreu, passou a ser criada pela dona da casa em que sua mãe vivia, Dona Inácia. Esta por sua vez era uma mulher muito rica, viúva e sem filhos, aristocrata[1], que gostava de mandar e não aceitava muito bem o fim da escravidão.

Logo no começo já percebemos a crueldade quando a pobre criança sequer tinha um nome. A não-identidade da menina demonstra que sequer era tratada como ser humano. Era sempre tachada de algum xingamento remetido a sua cor e sua aparência. O sufixo “inha” já denota o tratamento social que a mesma recebia.

Negrinha passou a viver com Dona Inácia, mas apesar dos pesares, ela não sofreu menos. Era vitima de racismo, violência e submissão, seu único momento de diversão era quando, em silencio deveria permanecer no canto da sala, via o relógio cuco marcando as horas. Era sempre castigada sem motivos.

Negrinha vivia aos arredores da cozinha, passava fome e demais necessidades humanamente necessárias. Na casa, quando raramente era posta em algum outro canto, vivia amuada e quieta como estátua. Dona Inácia, velha dona de fazenda que noutros tempos era dona também de escravos, adorava fazer maldades com a garota, que nunca ousara retrucar. Certa vez, quando por espontaneidade resolveu boquejar, foi punida com um ovo quente na boca. Castigo cruel e severo.
“[...] Uma virtuosa senhora, em suma – “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.”  (LOBATO, 2008, p. 24)

O autor deixa bem claro e explícito como mesmo após a lei Áurea, o racismo e a injúria racial ainda estava impregnado na sociedade e contudo, as atrocidades ainda continuavam, já que a lei ainda não tinha a capacidade para abolir costumes culturais. Monteiro Lobato expressa vigorosamente a hipocrisia de Dona Inácia, que para terceiros dizia cuidar e bem tratar a pobre garota mas, às escuras da casa, era a primeira a submete-la a agressões físicas, verbais e psicológicas. “Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu […] Mas não admitia choro de criança”. (LOBATO, 2008, p. 24)

Até este período da história, a personagem não tinha motivos para ser feliz, não era uma criança normal que brinca e se diverte com outras crianças, o autor mostra o quão psicologicamente a personagem esta abalada. “Assim cresceu Negrinha – magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados.” (LOBATO, 2008, p. 24)

Noutro momento da história, Negrinha se depara com a burguesia, representada por duas sobrinhas de Dona Inácia. Bem descrita como “anjos”. Ricas, bem vestidas e arrumadas. Por um momento de ingenuidade, negrinha se depara com uma boneca. Sem saber discernir entre uma criança real ou um brinquedo, vira rapidamente motivo de riso também para as garotas. Naquele momento da boneca, Negrinha percebe que tinha uma alma e que era apenas uma criança num mundo cruel. Soube naquele instante, mesmo que sutilmente; seu lugar no mundo.

Tendo consciência de que vivia uma vida miserável, morreu pouco tempo depois, deixando apenas lembranças para dona Inácia de como era boa para apanhar.

Neste final de conto percebemos como valores e caráter não se mudam e mesmo após uma morte dolorosa de uma pobre inocente, não fora capaz Dona Inácia, nem mesmo de se lamentar de alguma forma pelo triste fim da criança.

Monteiro Lobato é crítico e muito claro nesta, onde não foi preciso artimanhas, reviravoltas ou suspenses para mostrar à nós, leitores, que, é na simplicidade da escrita onde vem boas lições de vida e reflexões para a realidade em que cada um vive. 


Referências bibliográficas:



[1] Aquele que se diz membro da aristocracia; nobre, fidalgo; aquele que tem atitudes nobres, distintas.



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